domingo, 4 de janeiro de 2009

The day after

No dia seguinte, ninguém morreu.
Contra todas as leis do seu Universo e regras desta vida ou doutra qualquer, tinha acabado o que, há muito, deixara de fazer sentido. Não que fosse uma doença daquelas, ridiculamente, mortais. Mas era mesmo parecido. Sabia que ia sentir isto assim. Nem mais, nem menos do que o limite. Nunca fazia as coisas por menos. Que antevista e previsível letalidade!
Todo o corpo lhe doía e, a acompanhar este fadário, a cabeça, que mais parecia estar separada do resto, eclodia de dor. Estava lívida, exangue, gasta. Sentia-se mal, imperfeita e azarada. A coragem sumira-se, a vontade eclipsada já não era comandada pelo seu cérebro descordenado, agora, de tudo o resto. Era o obituário amoroso mais imperfeito e necrológico de todos os que tinha previsto para si mesma. Não queria acreditar nesta mortandade que lhe parecia tão certa.
As pernas fraquejavam. O nó no fundo da garganta não se desfazia com nada. O murro violento sentido na boca do estômago era autêntico e perpetuador…dias e dias a fio. O couro cabeludo dorido atalhava-lhe a vontade que experimentava de arrancar até ao último fio de cabelo. Os comprimidos que tentava engolir como panaceia para o vazio sentido não havia meio de descerem e consumarem o caminho que ela mesma desejava percorrer e rematar, o da cura para a enfermidade de amor que ganhara terreno, inóspito agora, outrora produtivo e fecundo.
Perguntava-se, vezes sem conta, como não tinha previsto aquilo? Como tamanho sofrimento se abatera sobre ela sem que tivesse dado conta a tempo e horas de fazer qualquer coisa? - o que quer que fosse e que a orientasse para não se sentir uma parva culpada e vítima daquele amor delinquente.
Queria estar cega e surda. Não queria ouvir os conselhos dos outros, remédios placebos sem resultado nenhum. ‘O tempo? Não me venham com o tempo que cura tudo e que passa a correr! É mentira! Não passa….passa devagar, arrasta-se, rasteja e atrasa-se. Não há tempo que me venha salvar já e agora e é isso que eu quero (e preciso)’!
É uma revolta que cresce, uma vontade de desembestar em todos os sentidos; é não compreender e não ter resposta que nos valha à pergunta ‘Porquê eu?’; é querer consertar sem saber como ou se vale a pena; é estar cosida, ou antes remendada, aos lençóis e fundida à cama, não querer sair e nem tomar banho. É dor, é sofrer, é choro convulso….é a companhia eterna da baba, do ranho e dos perpétuos papos nos olhos.
No fim, ou dia seguinte (como queiram), ninguém morreu.
O tempo, afinal, passa.
Cura, cicatriza e fecha. Faz esquecer ou não, mas isso já nem tem importância. Quitou-lhe a dor: suavizando-a primeiro, ventilando-a para longe depois.
Já não sofre nem quer sofrer. Descobriu exíguos prazeres nas pequenas coisas.
Quer sentir o vento leve na cara, o algodão doce festivo a derreter-se na boca, o sal fino do mar a encorrilhar-lhe os lábios, o arrepanhar da pele queimada do sol, a lambidela peganhenta do cão perdigueiro, o gás de uma Cola a subir-lhe ao nariz, a passa do primeiro cigarro do dia que a deixa tonta, o peso da toalha molhada num dia de praia.
Aprendeu a amar(-se), aprendeu a viver, aprendeu a valorizar porque….
…no dia seguinte? No dia seguinte, ninguém morreu.

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