segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Curtas

If you give
You begin to live.
You get the world.

Protegida

Uma página em branco grita por escrita.
É chão, parede e tecto para preenchermos tudo o que quisermos e desejarmos porque, até à morte, somos invencíveis e o que me ensinaram é que o que não nos mata torna-nos mais fortes (vá-se lá saber o que entende por fraco quem de sua cabeça ou experiência inventou tal sentença e se não estará já morto quem por nada fraqueja).

Enxagua a alma escrevermos o que não podemos dizer aos outros por falta de tempo, juízo ou coragem. Desempacotamos, assim, as amarguras e alegrias agasalhadas e as benquerenças e vontades em nós embrulhadas. Mais importante do que procurar respostas para as questões onde estou?, para onde vou?, é encontrar decifração para ‘o que quero fazer de mim’? É preciso um bom tonel de coragem para absorver e governar o nosso mundo e continuar a viver e sentir que sentimos ao final de cada dia.

O medo passa à porta e quer altear-nos a tranca que nos protege a guarda. Deixa-nos à deriva, com a certeza de perigo que espreita, parco resguardo e débil amparo. À cautela, reforçamos o ferrolho com voltas de chave, robustecemos aldrabas, cerramos janelas e corremos cortinas. Encapotamo-nos por debaixo dos lençóis de uma vida e clamamos sem grito por colo de mãe. O que o temor faz aos homens tornando-nos frágeis como formigas!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

A Cegueira

Venho aqui de passagem só para agradecer ao Exmo. Sr. Fernando Meireles a obra-prima que fez na adaptação para o cinema da obra-prima-mãe que é o livro O Ensaio sobre a cegueira de José Saramago.
Fico-lhe, eterna e inusitadamente, reconhecida (mesmo não conhecendo o Sr. de parte nenhuma!) por ter conseguido, de uma forma perfeita e exemplar, captar o âmago da obra do Mestre literário, (que para mim é) o Excelentíssimo Senhor José Saramago. E tão raras vezes isso acontece! Quem realiza um filme fá-lo, comummente, com uma prioridade - ter sucesso através de reconhecimento fácil, assim como multiplicar, exponencialmente, o capital gasto na realização da película com a venda de bilhetes. Há décadas que o sucesso dos filmes é avaliado pelos valores arrecadados nas bilheteiras e essa valia é tão maior ou mais importante quando é alcançada em tempo record. A audácia que lhe sobrou ao escolher uma 'Senhora-Obra' desta envergadura para traduzir em imagem cinematográfica, escasseou na forma como o filme é, de facto, vertido para o ecrã, sem grande tratamento de imagem ou efeitos especiais e a parecer o que um filme deve parecer…..real!

Foi há uns largos anos que começou a minha paixão pela escrita deste génio e não há outro epíteto possível! Comecei com o Evangelho segundo Jesus Cristo e fiquei maravilhada. A segunda obra que foi imperativo comprar, após ter lido o resumo na orelha esquerda do livro, foi a que deu o mote a este filme. Fiquei siderada, agarrada mesmo até ……. ao fim da minha vida, basicamente. O modo de escrever é tudo menos convencional (e isso agrada-me), mas o mais incrível são as envolventes e sedutoras histórias e narrações biográficas e não-biográficas. Porque isto é que é importante. Que me interessa a mim que um autor saiba escrever de uma forma clara (para isso há os livros de receitas culinárias!) e simples (mais uma vez….a culinária)?! Eu gosto de uma escrita rebuscada, aprimorada, pretensiosamente verosímil. Que nos troca as voltas e o pensamento e nos surpreende. Saramago é genial porque arrisca, não receia, não duvida. Diz, escreve e faz o que pensa. No fim de cada página, capítulo, livro a reacção é sempre a mesma – a sensação de que estivemos a léguas marítimas do desfecho da história e sempre a ‘velejar na maionese’!

Não condeno e até invejo os que nunca o leram. Porquê?
Porque é ancião e já escreveu tudo o que a idade permitiu, os que o não leram têm sorte….ainda o podem descobrir. Já me falta pouco do que dele não li. Mas faço parte daqueles que, por lhe terem tanto apreço e estima, não querem ler o que falta tão cedo a fim de fazer durar tão elevado e excelso prazer. Dos que lhe leram umas palavras e dizem que não gostam ou simplesmente não lêem porque não concordam com as suas ideologias políticas e/ou religiosas….o que posso dizer? Esses, sim, estão cegos e não têm olhos de ler.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Untitled


E tinha valido a pena, naquele tempo e talvez, quem sabe, hoje
Depois dos fins de tarde, da praia, do sol e das férias...
Entre amor clandestino e fogoso e palavras doces de apego
Hoje, teria valido a pena.

Tinha valido a pena ter encerrado a discussão num abraço
Ter-se amassado tudo e espremido o melhor
Ignorado o que era apenas anexo
Emoldurado o que foi superior.

Tinha valido a pena.
Não tivessem os dois a cabeça casmurra
Menos amor que o devido para oferecer
Menos desmerecido orgulho para dar e vender,
Oh tempo gasto a viver para sofrer.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Curtas

Todos merecem.
Mas uns merecem mais do que outros.

The day after

No dia seguinte, ninguém morreu.
Contra todas as leis do seu Universo e regras desta vida ou doutra qualquer, tinha acabado o que, há muito, deixara de fazer sentido. Não que fosse uma doença daquelas, ridiculamente, mortais. Mas era mesmo parecido. Sabia que ia sentir isto assim. Nem mais, nem menos do que o limite. Nunca fazia as coisas por menos. Que antevista e previsível letalidade!
Todo o corpo lhe doía e, a acompanhar este fadário, a cabeça, que mais parecia estar separada do resto, eclodia de dor. Estava lívida, exangue, gasta. Sentia-se mal, imperfeita e azarada. A coragem sumira-se, a vontade eclipsada já não era comandada pelo seu cérebro descordenado, agora, de tudo o resto. Era o obituário amoroso mais imperfeito e necrológico de todos os que tinha previsto para si mesma. Não queria acreditar nesta mortandade que lhe parecia tão certa.
As pernas fraquejavam. O nó no fundo da garganta não se desfazia com nada. O murro violento sentido na boca do estômago era autêntico e perpetuador…dias e dias a fio. O couro cabeludo dorido atalhava-lhe a vontade que experimentava de arrancar até ao último fio de cabelo. Os comprimidos que tentava engolir como panaceia para o vazio sentido não havia meio de descerem e consumarem o caminho que ela mesma desejava percorrer e rematar, o da cura para a enfermidade de amor que ganhara terreno, inóspito agora, outrora produtivo e fecundo.
Perguntava-se, vezes sem conta, como não tinha previsto aquilo? Como tamanho sofrimento se abatera sobre ela sem que tivesse dado conta a tempo e horas de fazer qualquer coisa? - o que quer que fosse e que a orientasse para não se sentir uma parva culpada e vítima daquele amor delinquente.
Queria estar cega e surda. Não queria ouvir os conselhos dos outros, remédios placebos sem resultado nenhum. ‘O tempo? Não me venham com o tempo que cura tudo e que passa a correr! É mentira! Não passa….passa devagar, arrasta-se, rasteja e atrasa-se. Não há tempo que me venha salvar já e agora e é isso que eu quero (e preciso)’!
É uma revolta que cresce, uma vontade de desembestar em todos os sentidos; é não compreender e não ter resposta que nos valha à pergunta ‘Porquê eu?’; é querer consertar sem saber como ou se vale a pena; é estar cosida, ou antes remendada, aos lençóis e fundida à cama, não querer sair e nem tomar banho. É dor, é sofrer, é choro convulso….é a companhia eterna da baba, do ranho e dos perpétuos papos nos olhos.
No fim, ou dia seguinte (como queiram), ninguém morreu.
O tempo, afinal, passa.
Cura, cicatriza e fecha. Faz esquecer ou não, mas isso já nem tem importância. Quitou-lhe a dor: suavizando-a primeiro, ventilando-a para longe depois.
Já não sofre nem quer sofrer. Descobriu exíguos prazeres nas pequenas coisas.
Quer sentir o vento leve na cara, o algodão doce festivo a derreter-se na boca, o sal fino do mar a encorrilhar-lhe os lábios, o arrepanhar da pele queimada do sol, a lambidela peganhenta do cão perdigueiro, o gás de uma Cola a subir-lhe ao nariz, a passa do primeiro cigarro do dia que a deixa tonta, o peso da toalha molhada num dia de praia.
Aprendeu a amar(-se), aprendeu a viver, aprendeu a valorizar porque….
…no dia seguinte? No dia seguinte, ninguém morreu.