quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Hoje falo de mim

Frase quase obrigatória quando uma gaja adoece e falta um diazinho ao trabalho ‘Então, ‘tás melhorzinha? Ontem não vieste!’. E uma gaja em condições lá tem que explicar a verdade que ‘a diarreia ‘tava que não se podia, que não me aguentava nas canetas. Maldita açorda de gambas que comi ontem’. Ou a verdade nua e crua ou a invenção da desculpa de gaja do costume ‘veio-me o período’. Preferível dizer a verdade, ou não fossem as minhas misérias adoentadas exactamente as mesmas das quais padece qualquer comum mortal.

Também não deixaria de ser verdade se dissesse que as canetas fraquejavam, não só do cansaço de maratonar até à sanita, mas também da estafa do trabalho em excesso e do espírito macaco-de-imitação que parece acompanhá-lo. Podia até, no meio do corredor, entre uma ida à fotocopiadora e a interpelação de um colega ‘saudoso’ ou ‘cusco’ divagar acerca do cansaço. Olhar para o sete estrelo e perder-me numa profunda explicação (sem qualquer interesse para o receptor e apenas com sentido para o emissor...eu própria):
‘... que Portugal continua a ser um país de trabalhadores e cheguem-se para lá os molengões que não merecem o pão que comem. Dos que dão o corpo ao manifesto, há os que são os primeiros a chegar (nem sempre os que levam a recompensa, é um facto), e isso sempre é uma grande compensação. Trata lá tu deste berbicacho, e o chefe a olhar, é preciso provar aos colegas que és tão bom quanto eles; encetas então a tarefa que é árdua, põem-te o trabalho em cima dos ombros e até estes já gemem com o esforço, arreias como um burro porque a ‘carga’ e a responsabilidade são pesadas, os joelhos fraquejam, ranges os dentes, a cabeça a moer, a pilha de papéis à tua volta a aumentar (que já nem miragem tens do colega da frente), retesas os rins, costelas e todos os ossos do corpo sentada naquela malfadada cadeira, bufas porque não vês onde está o ‘gato’ que te ensarilha o que parecia tão fácil, dás murros na mesa quando estavas quase lá e alguma coisa te distraiu ou atrapalhou a tarefa, sentes o sangue aflorar-te na cara, transpiras em bica (vira para a cá a ventoinha que estou quase a acabar) e o relógio tic-tac tic-tac, que há prazo para acabar, e as horas inimigas em trabalho rápido e doloroso de parto. Já só te apetece desistir, mas como dos fracos não reza a história e os olhos dos colegas ‘não vai conseguir; será que está quase?; vai pedir ajuda?; não consegue sozinha...’ aguçam-te o espírito extenuado que vai buscar forças onde não sabe que tem ou existem – e o que pede a cabeça violentada é que desistas, que não aguentas ‘mas quem te mandou a ti dizer que fazias?’, e depois pensas que preferes rebentar a ter que encarar o ‘fracalhota’ – tudo para não ficar mal vista.

Se fosse isto que tivesse saído da boca para fora no meio do tal corredor e no meio da tal ida à fotocopiadora, certamente que quando terminasse a divagação ou devaneio, estava a falar sozinha. O ‘cusco’ já se tinha posto a monte há muito, que fracalhote também não é e há trabalho para fazer.

Fraco o espírito, cansado o físico, abatida ou insípida a resposta, fiquemo-nos pela bela da diarreia, que muitos já padeceram dela – satisfaz-se a cusquice e guarda-se o resto cá dentro para quem verdadeiramente nos ouve. A diarreia não passa de mais um tema de conversa no corredor, como falar do mau ou bom tempo no elevador. Absorventes de tempos mortos e silêncios parados que é preciso aniquilar com um sorriso entredentes ‘Muito obrigada, boa tarde...a chuva não vai embora ou o sol hoje é para todos...blá, blá, blá’.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Mudanças

Poupamos muito tempo quando percorremos um caminho e sabemos, de antemão, o que procuramos. A vida é busca incessante, por vezes ingrata. Tempo é dinheiro, dizem os entendidos. E se no poupar é que está o ganho a partir daqui é só economizar. Os mesmos entendidos apregoam que o dinheiro faz mover o mundo. Discordo, totalmente. O AMOR faz mover o mundo. Seja o amor pelo níquel ou aquele que sentimos uns pelos outros.

A receita?....bem, não há receitas. É aceitar que nem todos as dádivas da vida são boas. Lutar pelas que valem a pena e consentir com o que não se pode mudar. O caminho que queremos é o amor. Ninguém vive sem ele e toda a gente o procura. Uns conseguem-no sem muito procurar, é antes ele que os encontra. Outros há que vasculham até em baixo do último calhau do caminho e nada. Se todos os caminhos vão dar a Roma (já percorri a minha rua de fio a pavio e não cheguei lá!), nem todos os percursos vão dar ao Amor.

Alguém criou o homem e a mulher e depois, certamente entediado, criou este sentimento sem o qual nos sentimos sem Norte. É a única explicação plausível. Não há receita, mas há ditado popular que diz que quem busca sempre alcança. Se o alcance é o que sonhámos? Pode não ser. Mas o que sonhámos na infância não é o mesmo que na idade adulta. Começámos por querer a ficção do príncipe encantado que nos alforria da masmorra em cavalo alado e nos faz voar pelos céus do bem-querer e do afecto. Quando percebemos, já espigadotes, que o príncipe pode até ser o sapo ou a rã, mas tem uma certa piada e nos faz sentir bem...que se lixe o ‘imperador’ e venha o anfíbio esverdeado.
Aprendemos a lidar com aquilo que temos, a escapar do mal que já vivemos e a valorizar quem nos acompanha SÓ porque se sente bem com o nosso sorriso. Às vezes, está ali mesmo ao nosso ladinho e nem demos conta. Anos a fio, cegos com o vislumbre e encandeamento do sonho, um dia, felizmente, acordados para a realidade.

Capacitemo-nos que o ‘grande’ problema que podemos sentir que temos hoje entre mãos, entre braços e entre pés (ou tudo misturado - não tivéssemos nós grande capacidade para empolar e pôr pilhas no que está mal) pode desaparecer num ápice como amendoim em tromba de elefante, tragado em menos de dez segundos, com direito a toque de sineta. Basta, para isso, que olhemos à nossa volta e deixemos que ‘estranhos’ nos amem e aceitemos esse amor como convite para uma coisa maior.

Escutei, incessantemente, enquanto petiz ‘Não fales com estranhos ou com pessoas que não conheces’. Hoje penso, “É dos ‘conhecidos’ que devemos ter medo. São esses que nos fazem mal, com a nossa inocente ‘conivência’”. Ensinamentos distintos (mas nem tanto assim) que só com o passar dos anos e, felizmente, só com a convivência com pessoas de algum calibre passamos a compreender.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Portuguese pride

Cada povo tende a orgulhar-se da sua pátria à sua maneira e por diferentes motivos. Pelo menos, a maioria dos seus habitantes, já que alguns não se envaidecem ou entusiasmam por coisíssima nenhuma.

Já se falou aqui do brio nacional português. Há coisas que nos identificam ou que fazem com que nos reconheçamos, embevecidamente, como portugueses purinhos de gema: a rica gastronomia, o esplêndido sol do Algarve, o fado choradinho e a saudade (tudo sobejamente conhecido e apreciado além fronteiras ou, pelo menos, assim o queremos ver).

Poderíamos, ainda, acrescentar as características que gostamos de ‘vender’ aos outros que caracterizam a populaça deste cantinho à bordinha do mar assentado: os epítetos de descobridores, exploradores, aventureiros, conquistadores. Tudo verdade, HÁ UMA PORRADA de anos atrás! Desde há séculos, tem vindo a ser perder, perder, perder. Conquistar que é bom, nadinha de nada!
Já foi tempo. Agora também está tudo descoberto, não há recantos desconhecidos. Já tudo tem dono e os donos do mundo são…os donos do mundo e vão manter-se assim. A encontrar alguma coisa, serão mesmo os grandes a descobrir o que ainda podem ‘roubar’ (de colónias, ilhas e afins) aos pequenitos COMO NÓS. Depois de Macau, nada mais há de relevante para ‘levar’ daqui.

O fado português colou-se, imensamente, a nós e explica muitíssimo o nosso povo: cantiga de taberna, trova de sofrimento mais que sofrido, de tristeza de alma, de queixume e de lamúria, de pranto e choro desgarrado, de SAUDADE e mal de amor, de lavadeiras e pescadores e tudo o mais que está ligado ao mar, ao rio e às lágrimas. Dá para perceber que não sou fã de fado. Temos excelentes vozes, mas tenho preferência por registos musicais diferentes. Com choradinhos mais actuais sem tanto mofo. O mundo tem ‘problemas’ de hoje que pedem para ser cantados, para quê, continuamente, ‘chorar’ a dor de ontem? O fado modernizou-se alguma coisa (só na idade de quem o canta ou toca, basicamente), mas tem sempre um quê de ‘revisitância’ do passado, da Coimbra dos estudantes, da Lisboa e da Madragoa e, como não podia deixar de ser, da SAUDADE.

E, já agora, o que é que tem de especial termos uma palavra no nosso léxico, que ‘os outros’ não têm, para exprimir a falta que sentimos de alguém????!!!!! Uhhhhh… que especial! Que coisa fantástica e super fenomenal! Sim porque nós ‘temos saudade’ e os outros têm o ‘I miss you’ (sinto a tua falta) ou o ‘j’ai besoin de toi’ (preciso de ti) entre muitas outras expressões congéneres. Pensem bem o que é que preferiam? Que se lixe a palavra saudade, eu prefiro que me digam tudo o resto sem ser compactado numa única palavrinha! :)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Atraso de mundo

Eu sei.
É tabu. Pschhhhh.
Não se deve (ou evita-se) falar do assunto: racismo.
Instituiu-se, não sei bem onde, que as pessoas tinham raças diferentes e que se distinguiam pela cor da pele: brancos, amarelos, pretos e vermelhos.
A palavra distinção é a mais usada. Quanto a mim forte de mais por vincar excessivamente a diferença ou desigualdade. Já foi, também, dito por aqui, algures, que diferentes...diferentes só mesmo no exterior, pois o Criador de quem tanto se fala, fez-nos (por dentro) iguaizinhos.

Já que levamos com este assunto, desde que eu era um pingo de gente, preciso de dizer que ainda somos, grosso modo, uma cambada de coniventes com as desigualdades (ao invés de aceitarmos que estas diferenças culturais nos tornam, apenas, muito mais ‘ricos’).

Comecemos pelos nomes que damos às pessoas. Ninguém sente constrangimento por dizer ‘o branco, o caucasiano, o Europeu...’, ou por dizer ‘o chinês, o oriental...’, ‘o índio, o indígena...’, mas quando chegamos aos ‘filhos’ ou descendentes de África não sabemos muito bem o que dizer. Evitamos o preto (achamos muito ofensivo e até abusivo – alguns (os escroques) talvez não). Preferimos dizer ‘o de cor’, ‘o escurinho’, ‘o negro’. Se perguntarmos à maioria deles, certamente entenderíamos que preferem ser chamados de pretos, apenas porque foi assim instituído e porque a parte depreciativa que esta palavra tem nas sociedades de ontem, hoje e sempre, fomos nós, ‘bejes’ ,que a criámos.

Falo por mim. Gosto de pretos. Tenho amigos e familiares com esta descendência. Adoro a forma como esta ‘raça’ vive a sua vida. Um povo sofrido, mas alegre, ‘boa onda’ (com excelentes criadores e educadores musicais), lutador e que mais do que nenhum outro, espalhado pelos cinco (continentes) cantos do mundo, teve que conquistar a sangue, suor e lágrimas o tão pouco a que tem direito, hoje.

Melhorámos muito, nós os ‘bejes’. Há uns anos atrás não socializavamos com eles. Fazíamos questão de os ostracizar e ‘perseguir’ nas escolas, nos empregos, nos transportes, na saúde, na televisão, no desporto. Portas abertas para nós e quase sempre fechadas para eles. Oportunismo para nós e falta de oportunidades para eles. Infelizmente, muito racismo anda ainda camuflado. Outro anda às escancaras e ninguém se importa com isso.

Tenho alguns bons conselhos para a sua ‘boa’ sobrevivência ao preconceito instalado na nossa (muitas vezes, vergonhosa) sociedade:
. Não comprem carros muito caros (sobe a probabilidade de serem mandados parar pela polícia por acharem que o carro foi roubado – por vós!);
. Não entrem em lojas com sobretudos ou casacos enchumaçados (é provável que pensem que estão a preparar-se para um assalto ou outra coisa pior – se insistirem nisto, o ideal será andarem nus por baixo da gabardine. Evita o incómodo de terem que ser revistados depois);
. Não frequentem locais muito chiques (é provável que vos atendam mal por pensarem que não têm dinheiro para pagar a conta;
. Casem com um(a) ‘beje’ (assim procriam filhos mulatos (quase ‘bejes’) e difundem a vossa bela raça – um dia estarão em maioria);
. Não saiam à noite (se houver balbúrdia e vocês forem a passar perto, digamos num raio de 10 km, vocês serão os principais suspeitos e ganham o prémio de difusão do vosso retrato robot em revistas, jornais, nos pacotes de leite, esquadras de polícia e na internet);
. Comprem aulas de dicção quando estiverem há pouco tempo num país que não o vosso de origem (evitam juízos de valor racistas, pelo menos, ao telefone).

Obviamente que esta lista é uma aberração e para as pessoas bem formadas é inconcebível, mas infelizmente espelha o que se passa por aí.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Pensamento do dia

One evening's love starts with a kiss. Tonight let's be lovers...say you will.
(DMB - What else?)

Bom Março musical

A não perder:
The Cure - 8 de Março - Pavilhão Atlântico - Lisboa - 20h - 33€ (plateia em pé).

The Waterboys - 14 de Março - Pavilhão Municipal de Gaia - Gaia - 22h - 10€.

Portishhead - 26 de Março - Coliseu do Porto - Porto - 30€ (plateia em pé).

Bilhetes à venda...já sabem...nos locais habituais.
Deixei-me cair tão forte, dentro de ti:
como uma distraída em areia movediça lutando para me libertar, mas sabendo que a certeza era o fim;
como o afogado que vem à tona, vezes sem conta, em golfadas e litradas de água mortais, esbracejantes, derradeiras e sem fôlego.

Estava sentada, serena.
Passaste pela ‘minha porta’, ao meu encontro, disposto a amar-me e com promessas. Quiseste que te amasse e incitaste-me, ‘Fá-lo! Sente-o sem medo!’.
Fiz-te sentir um miúdo, mas sabia que não o eras. E as brincadeiras de menino já não faziam sentido.

Deixei-me cair, tão forte, dentro de ti.
É por isso que, contigo, não posso dizer o que sinto.
Quis ficar, mas pensei (depois de tudo)
‘tenho que sair daqui para fora’
por ter caído, tão profundamente, em ti.
Quis ficar, mas penso
que vou sair daqui.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

So true





No seio de algumas pessoas podemos SEMPRE ser genuínos. Mais palavras para quê?

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Oração

Senhor (Deus, Budha, Alá, Pastor, etc) nosso que estais no ‘Paraíso’,
Santificado seja o Vosso bom e prezado nome

Trazei-nos ‘luz’ e paciência ao Vosso reino.
Seja feita a Vossa vontade e que a mesma seja também a Nossa - assim na terra como no céu, nos nossos lares, locais de emprego e de diversão.

Fazei com que os Primeiros Ministros, os Presidentes das várias Repúblicas, os Reis, as Rainhas, os Príncipes, as Princesas, os seus casos amorosos, os magnatas e os nossos chefes, se governem, apenas por um trimestre, com o ordenado mínimo para, depois, os ouvirmos dizer ‘É impossível apertar mais o cinto, como é que eles conseguem!’.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje (e sempre) e que esse pão seja o deles também.

Perdoai-nos as nossas ofensas, devaneios, sonhos, ambições e dívidas. Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, roubado (com ou sem consentimento), usurpado, ignorado e feito passar por angústias.

Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal, do Banco de Portugal, das Finanças, das Seguradoras e das retenções na fonte.
Amén.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Rua cinzenta (DMB)

Há um vazio dentro dela
E ela seria capaz de tudo para o preencher
E embora tenha sangue vermelho a escorrer no seu interior
Sente como se fosse gelo frio no seu coração
Mas todas as cores misturadas – dão cinzento
E isso parte-lhe o coração.

Há um estranho que lhe fala fora da sua porta
Diz, ’leva o que puderes dos teus sonhos
Fá-los reais como tudo
Isso tirará o trabalho à coragem’.

Mas ela diz, ‘há um homem sinistro na minha porta,
Eu vivo na esquina da rua cinzenta
E no fim do mundo’.

Há um vazio dentro dela
E ela fará tudo para o preencher
E embora tenha sangue vermelho a escorrer no seu interior agora
Sente como se fosse gelo frio no seu coração.

Apetece-lhe pontapear todas as janelas
E pegar fogo à sua vida
Ela podia mudar tudo sobre ela
Usando cores vivas e brilhantes
Mas todas as cores misturadas – dão cinzento.

E isso parte-lhe o coração.
Parte-lhe o coração
Em cinzento.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Sem título (ainda)

Era uma estrela de cinema. Pelo menos era o que ele achava. Nunca a tinha visto por ali, mas bastou olhar uma vez para ficar inteiramente convencido. Até nervoso estava, tanto, mas tanto que até se pôs a garatujar assinaturas na toalha de papel da mesa que sempre tinha achado sem graça, preferia toalhas de pano, mas que hoje lhe convinha tão bem para disfarçar os nervos.

Jantava todos os dias no Salmoura. Sempre e de há uns anos para cá era uma das suas rotinas diárias. O mesmo ‘Boa noite, senhor José, como estamos, hoje?’, a mesma resposta ‘Boa noite, senhor Dr. Vou já atendê-lo’. Não que não gostasse da comida da Dª Natércia, sua empregada há tantos anos, mas todos os dias olhava para o prato encoberto por outro com o esmero, a dedicação e o primor que só ela sabia preparar, acompanhado do mesmo bilhete ‘Que lhe saiba bem, menino’, e todos os dias o oferecia de presente ao seu gato Homero que tão satisfeito lambia os bigodes depois do repasto. Nunca ninguém soube: nem a Dona Natércia que era o Homero que se lambuzava com a sua dedicação, nem o Sr. José que ele tinha, diariamente, conduto distinto para jantar e que preferia o seu bife, nem ele próprio porque prescindia do calor da comida da Dª Natércia a favor da afabilidade do bife do dono do restaurante. Seria o bife ou o hábito do ritual, da mesma cara, do mesmo vinho, da mesma toalha de papel que tanto o irritava até àquele dia? Não sabia. Sabia que todos os dias passava em casa depois do trabalho, afagava o gato, lia o bilhete, destapava o prato desejado pelo felino, voltava costas e caminhava ao encontro do bife do Sr. José.

Hoje sentia-se diferente. Não que o bife estivesse mais tenro ou o Sr. José mais terno. Não que o dia lhe tivesse corrido melhor ou pior. Mas depois de a ver, a vida parecia bem mais aprazível. Olhava de soslaio para que não pensassem que era uma espécie de perseguidor ou voyeur. Sentiu-se mal por ela, por eles. Desde que tinham chegado, as únicas palavras trocadas tinham sido acerca das opções do menu. Comiam em silêncio. O olhar dela tristonho e sem brilho. Estava apagada, da forma como só as estrelas de cinema sabem ficar quando obrigadas a interpretar um triste papel. Não era feliz, ou pelo menos não estava feliz, ao lado daquele homem, também ele com dentadura de artista e com ar infeliz, mas seguro de si.

Naquele instante sentiu-se arrojado e afoito, capaz de a amar profunda, íntima e eternamente. Tinha desaparecido o rotineiro, acanhado e acobardado homem que o representava e só lhe apetecia levantar-se da cadeira, caminhar até ela, abotoar-lhe a mão e fugir dali. Subitamente, o suor escorria-lhe na fronte, a ânsia assanhada e sincopada, a inquietação incontrolada e descuidada, as mãos suadas do desassossego exasperado, as pálpebras nervosas como se sentisse o ritmo cardíaco na visão vigilante, as palavras entupidas e emudecidas na garganta, as pernas narcotizadas ao movimento, o coração galopante nas certezas e incertezas da atitude que desejava ardentemente tomar, a vontade frouxa e depois moribunda. Do lado dela, nem um sinal. Era isso que ele esperava: um olhar, um indício, um ‘força, coragem, é a ti que eu quero, salva-me daqui’!
Seria tudo da sua imaginação? Dar-se-ia o caso de que ela não estava triste, mas apenas exaurida. Todos sabemos que as estrelas de cinema sabem fingir e têm aquela dificuldade em ‘despir-se’ da personagem. Podia ter-se dado o caso de que ela tivesse estado a filmar antes do jantar e ainda estivesse imbuída daquele espírito.

Desde pequeno que era assim. Empolgava-se com algo, fazia o ‘filme’, alimentava o entusiasmo e depois abrandava, travava o impulso e não se permitia levar o desejo até ao fim. Não tinha coragem. Tinha receio de se tornar ridículo, de falhar, de não parecer prometedor o suficiente. Decidiu deixar de ser expansivo, pôs freio na ansiedade apaixonada, travou o medo que já sentia de não a ter ou de a perder sem nunca a ter tido, riscou os gatafunhos na toalha de papel, olhou para o prato, fechou os talheres, pagou a conta com um ‘Boa noite, Sr. José’, e saiu.
Nunca mais a viu, não lhe sabe o nome, mas sabe que aquela mulher era especial e não há dia em que não pense se na cabeça dela ele já passou, um dia.

Dia do amor

Gosto deste dia.
O dia da benquerença e do São Valentim auxiliado por todos os anjinhos papudos, roliços, corados, encaracolados, dourados e semi-nus que voam, sem serem vistos, acima das nossas cabeças para, quando menos esperamos,…plim!!….nos alvejarem, sem permissão ou consentimento, com as setas indolores do afecto e do amor. Setas, se for no bom sentido e o par emparelhado tiver resultado positivo, pernas-para-andar e mostras de juízo amoroso; farpões, se a união for desastrosa como aquelas às quais tantas vezes assistimos. Mas não é dessas que neste dia tão bom se vem aqui falar.

De todos os feriados que existem, esta é A Festividade que merecia folga concedida pelo governo. Um dia votado ao amor para fazermos com a nossa cara-metade TUDO o que nos outros dias não temos tempo ou integral disponibilidade para fazer. Um dia dedicado às escapadelas e escapadinhas (tudo dentro da legalidade e fidelidade, claro), ao amor melado, aos corações ao rubro, às fantasias e aos devaneios amorosos, à febre do sexo intenso, aos minutos de imperturbabilidade pós-sexo, melhores ainda que o próprio acto em si, às carícias, aos desabafos, às rosas escarlates ou as que houver disponíveis, aos segredos, às cumplicidades e ao tempo útil para amar – a melhor coisa do mundo.

É cliché dizer que o dia dos namorados é como o Natal – sempre que um homem quiser. Abaixo os chavões de que o dia dos namorados é todos os dias….porque é que não hão-de deixar um tipo ter um dia especial e olhar para ele como distinto dos outros todos? Para que é que inventam estas querelas para justificar a mesma atitude desinteressada, em relação ao amor, que alguns têm 365 dias por ano?! Não pode uma gaja saber que, pelo menos, no calendário, este dia está assinalado como o dia do Amor e é especial?!

Irra!!! Deixem o comum mortal, pelo menos, hoje, ter direito a um miminho diferente e fazer enriquecer o Senhor-qué-frô, um habitué destas ocasiões e celebrações românticas.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Homens em extinção?

Observem as pessoas que vos rodeiam: familiares, amigos, colegas, conhecidos e os seus ‘rebentos’. É impressão minha ou nascem muito mais meninas do que meninos? Já fiz as minhas contas em relação às ‘crianças’ que me ‘rodeiam’ e o número de meninas está em considerável vantagem. A acrescentar a isso, temos o facto comprovado de que as mulheres têm uma esperança de vida maior do que os homens. Nós duramos até aos 80 anos contra 74,2 nos homens (mais coisa, menos coisa).

Será que a Mãe Natureza está a tentar eliminar os homens?! Será que encontrou, assim, uma forma de se vingar do mal que eles lhe têm feito? Pensem bem. Não me lembro de nenhuma mulher ter sido responsável pela tentativa de extermínio de uma raça inteira de pessoas, ou de derramar petróleo no Oceano, ou de inventar a bomba atómica, ou de a lançar em Hiroshima e Nagasaki, ou de tentar aniquilar as tribos indígenas da Amazónia, ou de ‘exigir’ a invenção da cerveja com abertura fácil!
A Natureza encontrou o culpado. Toda a pilhagem, o saque, o genocídio, o extermínio, o mal perpetrado ao meio ambiente, o horror e a destruição em massa de tudo o que algum dia foi puro e bom tem o dedo do homem: o réu sofre de alopecia precoce, tem prurido crónico nas partes íntimas, barriga de cerveja, NUNCA coloca a tampa de volta em NADA e cospe a Pepsodent toda no espelho da casa de banho!

De há uns valentes anos para cá, e desde que as mulheres se tornaram mais independentes (felizmente!), o homem passou a ter duas serventias: fornecer esperma para a continuação da espécie e conseguir chegar às coisas das prateleiras mais altas. Com a invenção do escadote de alumínio de fácil transporte (leve como uma pluma) e com a fertilização in vitro e os bancos de esperma ao virar da esquina, deixou mesmo de ser necessário. Sabemos, muito bem, que a Mãe Natureza, tendencialmente, tem a capacidade de se livrar dos elos mais fracos e frágeis – os seus pesos mortos. Neste caso específico, o bicho homem.

Nós, mulheres, somos mais fortes porque vivemos mais tempo, sofremos menos de doenças catastróficas como cancro, doenças cardíacas e de fígado, temos uma percentagem inferior de DST’s, não perdemos tanto cabelo (nem a cabeça – suicidamo-nos menos), temos inferior probabilidade de morrermos de acidente de viação, somos muito mais espertas, obtemos melhores notas, temos melhor aproveitamento escolar, somos licenciadas em maior número, conseguimos desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo e incluímos o raciocínio enquanto as fazemos.

HOMENS, as coisas não estão nada boas para o Vosso lado.
Procurem a rendição: tratem MUITO BEM as mulheres (este será o primeiro e principal passo para a salvação), cancelem, , a assinatura da revista FHM (porque não traz nada de jeito, nem mesmo as fotos quase em pêlo da AGORA sexy Floribela), parem de arranjar confusões no trânsito (façam como as mulheres, sorriam e ignorem o asno que vos perturbou – menos rugas e mais anos de vida!), percam menos tempo a ver futebol, comam menos porcarias e bebam menos cerveja e afins (quantas vezes viram as mulheres a empanturrarem-se de junk food repleta de molhos como se viesse aí o Armagedon?), lavem mais vezes as mãos depois de fazerem certas e determinadas coisas (aproveitem o lanço e interiorizem que todos os dias são dias de tomar banho!, e a muda da roupa interior é diária e não semanal), assimilem que nem todos os orifícios do corpo existem para serem escarafunchados com os dedos, aprendam a usar a tampa da sanita e a mantê-la como deve ser – LIMPA e PARA BAIXO e, já agora, se não for pedir muito, o autoclismo é para descarregar SEMPRE que se ‘deitar’ para lá o que quer que seja (líquido ou sólido), convençam-se que os gases são para manter dentro do corpo e não para partilhar quando estão a sociabilizar com alguém (libertem-nos, APENAS e somente, na vossa própria companhia), lavem as mãos, outra vez, porque a água não as desgasta!, deitem o lixo fora que VOCÊS acumulam em todos os recantos da casa e do carro (tenho impressão que vocês descobrem sítios recônditos, propositadamente, para lá encafuarem porcarias), falem mais baixo e aprendam a ouvir sem acharem que sabem tudo (e se isto não funcionar, façam testes auditivos – é bem provável que, também, a vossa audição esteja a ficar decrépita como tudo o resto).

Insurjam-se pela mudança sem fazerem grandes alaridos, motins ou tumultos. Não precisam de levantar muita poeira. Não chamem mais a atenção sobre vocês mesmos. Pezinhos de lã! (já ouviram, certamente, a expressão). Façam, apenas, um esforço nestas pequenas coisas. Não custam nada e podem bem redimir algum do mal perpetrado. Tornem também a nossa coexistência mais fácil. Ainda que a Mãe natureza se esteja a marimbar para isto, as mulheres, futuras líderes do Mundo, vão estar atentas e podem bem perdoar-vos um dia, quem sabe!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Pensamento

(Um dia ouvi dizer algo como: 'Há pessoas que são como esponjas: absorvem tudo e não pingam' (era mais ou menos isto)).
Um pormenor: as esponjas mais saturadas de 'líquido' acabam por, ainda que involuntariamente, escorrer o que absorvem. Sendo assim não lhes chamem esponjas, chamem-lhes outra coisa.

Pensamento do ano

Quero estar out dos 'sítios' onde não me sinto incluída.

Precious things

‘Não há amor como o primeiro’, dizem os entendidos ‘velhos do Restelo’ da sabedoria popular. A preciosidade deste conhecido ‘tesouro’ está na experiência de vida e na sabença e ensinança do (nem-sempre) Povinho que faz desta realidade uma certeza com exactidão bastante elucidativa, ‘quase-eruditamente’ falando, de que uma coisa ganha valor e maior relevância quando é única e singular.

O valor inflacionado ou ‘alto preço’ desta justeza não terá tanto a ver com o facto de as primeiras coisas serem sempre, necessariamente, melhores ou superiores, mas sim com o caso de se tornarem especiais por terem sido pioneiras e, mais ainda, porquanto não voltaram a suceder ou a repetir-se.

Exclusividade e pioneirismo.

(Será aqui, por exemplo, que reside a mais valia dos números ímpares – estranhamente, mais valiosos e perfeitos que os pares - têm exclusividade pioneira). Parecem imperfeitos – ‘o que fazemos àquele apêndice que sobra ali e não tem serventia nenhuma’?! Pois bem, têm o valor acrescentado de nos darem mais uma opção, mais um caminho, mais uma escolha. O par já é par….não há grande misticismo, cada par está destinado matrimonialmente (so to speak) com outro, faz parelha, combina e encaixa tipo peça de puzzle.) (‘Perdoem-me o extenso parêntesis! – perco-me sempre com estas descobertas’).

Temos o dever de sermos rigorosos. Não se dá valor a alguém ou algo por dá-cá-aquela-palha ou apenas porque é pioneiro (a primeira vez que nos aparece a menstruação ou a primeira vez que ela deixa de aparecer sem ser por gravidez desejada ou indesejada (menopausa) não é nada bom, não me lixem!!).
Há uma rol de sentimentos à mistura que nos fazem gostar desse algo ou alguém - porque é único, nos faz rir, nos faz caminhar em algodão, nos faz querer viver ou reviver, nos faz bem, nos dá prazer, em suma é especial.

A vida com saúde é o bem mais precioso e incomparável que nos foi ofertado de mão beijada. Só existe uma, e é esta. Quantos de nós a desperdiçamos ou esbanjamos, mandando à fava o seu pioneirismo e importância? Esquecidos que estamos de que só há esta (excepto para quem acredita no blá-blá-blá-depois-da-morte), deixamo-nos andar e fazemos más escolhas a saber (e sem duvidar) que são péssimas, mas queremos fazê-las SÓ … porque achamos que temos que fazer qualquer coisa. Chiça!!! … que eternos insatisfeitos com confusas, confundidas e desligadas mentes!

Que azarada e mal fadada sorte a destes (mal) remediados que ‘compram’ ilusória, aparente e vã pompa-e-circunstância de uma merda de vida comezinha e de política de rapó-tacho (a ver se sobrou alguma coisa) só para dizer que um dia a (sobre)viveram. Quem não sabe fazer melhor, não tem culpa nenhuma - uma grande verdade. Outra culpa terão aqueles que têm ajuda, não a enxergam ou aproveitam quando a têm ou nem sequer a procuram nos sítios mais óbvios. A idiotice manifesta-se, também, nestas pequenas/grandes coisas.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Pensamento do dia

O mundo ri de nós, não connosco.
(Somos bem mais inteligentes quando conseguimos que seja possível o vice-versa).

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Perdoar

Na nossa vida, apenas uma coisa é certa, além dos impostos que pagamos, as meias que as avós sempre nos oferecem na época natalícia e a morte. Não importa o que tentamos ou queremos fazer. Não importa se as nossas intenções foram ou são boas. Cometemos erros. Magoamos outras pessoas e acabamos por nos magoar. Se algum dia desejamos recuperar-nos, há apenas uma coisa a dizer - 'Eu perdoo'.

Perdoar é esquecer. Melhor ainda, perdoar e esquecer (pelo menos é o que ouço dizer por aí).
É um excelente conselho. Não muito prático ou fácil, mas um bom conselho.
Quando alguém nos magoa, queremos magoar de volta. Quando erram connosco, queremos estar certos e ter a razão como amparo ou companhia.

Sem perdão, a pontuação não empata e as velhas feridas não curam ou fecham. O máximo que podemos esperar é que um dia tenhamos a sorte de esquecer. Isso é possível.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Fragilidade

Podemos ser fortes. Às vezes, achamos que somos ou parecemos mais duros e resistentes do que realmente somos. As relações das pessoas têm telhados de vidro. São separadas por frágeis membranas ou películas ligadas por débeis filamentos que se rasgam e rompem facilmente. Dividem-se e decompõem-se. Ninguém quer saber. Quase todos ‘se estão nas tintas’ para toda a gente. Cada um com as suas penas, paranóias, egocentrismos.

No meio da estrada vamos deixando para trás algumas pessoas – as mais descartáveis - não necessariamente as piores ou mais complicadas.
No asfalto do caminho vamos perdendo e destruindo amizades, ligações, paixões, crenças e vamos coleccionando inimizades, desconexões, desuniões, mágoas e descrenças.
Porque é que as pessoas não se ouvem?
Porque não falam?
Porque discutem e esquecem que do outro lado há alguém que também sente, sofre, consente, aguenta e suporta?
Porque não permutam entre si respeito e apreço em detrimento da desconsideração e da ofensa?

Que trampa de atitude é esta de olharmos para os nossos próprios pés e esquecermos os outros que caminham connosco (atrás, à frente, ao lado) e que, muitas vezes, nos ‘carregam’ ao colo?
Será que achamos que podemos tudo sozinhos sem precisar de (ou ficar a dever nada a) ninguém?
Onde estamos com as nossas asininas cabeças e os nossos obstipados corações?

Não quero que me ‘leiam’ ou tentem decifrar aqueles que me ‘infernizam’ a vida. Desses não espero nada. Já não quero que me segurem a ponta do fio depois de me terem ‘pontapeado’, desajeitadamente, para fora do palco. É que nem era preciso….tinha saído de cena sem ninguém dar por isso ou nem tinha, sequer, voltado a entrar. A farsa acaba na mesma, mas podia ter findado sem novas mazelas e raivas recicladas. Quando é por iniquidade, não há perdão ou boa gestão dos restos que ficam. O tempo é agora, não é depois.

Vejo a fragilidade, em alguns, como uma virtude - quando esta tem garra, é genuína, se torna talento ou comprova o engenho dos mesmos. Pode ser um modo de vida ou forma de estar. Quando é falsa ou imitada, tem careca descoberta em pouco tempo. Não seduz ou cativa. Torna-se defeito, estorvo e imperfeição. Transforma-se em doença. Perde o poder de atracção e o encanto. É defeito nu e cru a escassa relevância que atribuímos a algumas coisas e pessoas e a forma como nos tornamos superficiais a expensas de uma pseudo fragilidade. Abaixo os falsos frágeis….e os falsos … de qualquer outra coisa.
Quando estou frágil enrolo-me na posição fetal e mantenho-me ‘na minha’. Não me aproveito de ninguém para lhe sugar a energia sem intenção de a recarregar outra vez!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A vida estica?

Não, não estica.
É um fio condutor. Uma linha, não necessariamente direita nem ténue. Tem curvas, voltas e dobras sinuosas. É una, indivisível, não se parte ou interrompe para voltar mais tarde. Não fica em suspenso, pendente ou adiada.

É para viver, aproveitar, assistir, coabitar, fruir, usufruir, gozar. Está destinada. Não podemos esticá-la ou alongá-la (a não ser com uma existência muito regrada e, mesmo assim, sem grandes certezas). Não há elixir, magia, poção ou panaceia que a prolongue.

Pode ser encurtada. Por nós ou outrem.
Pode ser interrompida, voluntária ou involuntariamente. A primeira opção muito radical, extrema e desesperada. A segunda pode acontecer mascarada de doença, enfermidade, acidente, incidente ou crime; na maioria das vezes é por nós encarada ou interpretada como castigo, punição, pena, condenação. Não há ninguém que quando tocado pela falta de saúde ou acidente deixe de pensar ‘Porquê eu?’. Mais rapidamente pensamos assim do que temos tempo para pronunciar o nome de Jack Splat Kevorkian (médico americano defensor da prática da eutanásia).

Chamemos os nomes às coisas - a interrupção da vida é a morte. Contra ela ninguém pode ou domina. Acontece e não tem volta….a menos que seja naqueles casos em que um entendido nos diz que temos 6 meses de vida e acabámos por viver muito mais do que isso. Não lhe chamemos erro, então, chamemos benesse, dádiva ou segunda oportunidade. Um susto. Aparentemente, péssimo, por sinal, mas que nunca nos deixa indiferentes ou passivos perante um prenúncio de morte. De facto, tem um lado bom. Faz-nos despertar para a vida. Consequência de um anúncio de óbito. Beliscamo-nos para nos sentirmos vivos, sedentos, famintos e ávidos de viver.

Nó cego

Eu, Nádia-durmo-bem-obrigada, venho aqui para dizer que as pessoas complicam muito. Não eu, não tu, não ele, não ela, mas todos. Tornamo-nos verdadeiros artistas na arte da auto comiseração e do sentir pena, dor ou pesar de nós mesmos.

É verdade que não existe nenhuma lista que nos tenha sido dada quando fomos crianças ou andámos na escola. Ensinam-nos o a,e,i,o,u; o abecedário; o 1,2,3…e o b-a-bá…mas e o resto? Como é que eu me defendo dos outros e principalmente de mim mesmo? Não. Isso, ninguém nos ensina, não está num manual escolar, não há disciplina no currículo da escolaridade obrigatória que se debruce sobre o assunto nem lições pré ou pós pagas que possamos comprar para nos salvarmos. Sim porque é de salvação que precisamos quando nos entregamos de corpo e alma ao sentimento de piedade por nós próprios e alimentamos uma abundância de complicações, dificuldades, embrulhadas e alhadas. O perigo espreita dentro de nós e entre nós. São os secretos segredos, os enredados enredos, os ficcionados bruxedos, os (re)inventados problemas, os cadilhos, atilhos nós e sarilhos, as desalinhadas desordens, os alvoroçados rebuliços, as confusas e cozinhadas trapalhadas, as culpadas culpas e desculpas, os apavorados medos e os receados receios sem direito a pausa, intervalo ou recreio.

Quando, no meio disto tudo, nos esquecemos de nós e dos outros?, - dos que nos rodeiam, dos que importam, dos que nos amam, dos que nos acarinham, dos que nos ajudam - e passamos a pensar mais como aqueles que complicam, agravam, ferem e confundem? Incapacidade humana e quase inata, natural e congénita (porque nunca recebemos ensinança em contrário) de ligar o ‘descomplicómetro’ e viver bem…não na perfeição, com algum caos, mas bem: em equilíbrio, com sensatez, classe, sintonia, harmonia, charme, juízo, brio, ânimo, coragem, bravura, audácia, arrojo e cavalheirismo.

Não basta dizermos que somos bons, temos que sentir que o somos mesmo e prová-lo: a nós mesmos, em primeiro lugar, e depois aos outros que nos ajudam a acreditar. É uma forma bonita de mostrarmos gratidão e reconhecimento a quem nos estima – gostarmos de nós próprios, sem esquecer de demonstrar, também, que somos capazes de prezar os outros. Precisamos desatar o nó cego que tão bem (mal) laçamos e que nos enforca a força de viver numa vida que é sempre curta e minguada para tudo o que desejaríamos.

Se não podemos ser fortes, porém tão-pouco sabemos ser débeis, somos derrotados. A vida, aqui, trata do assunto por nós e não pede conselho, sugestão ou parecer. Se for com o nosso consentimento e consenso, a vida da nossa merda de vida fica abundantemente mais facilitada. Sentirmo-nos invencíveis é uma questão de defesa, sentirmo-nos vulneráveis é uma questão de ataque – tudo reside em pormo-nos a jeito (ou à cautela) nas nossas vivências e desejos, ambições e paixões, pretensões e aspirações. Se dermos luta, ela arreia. Ganhamos nós, ela perde, ainda que nos roube e usurpe muita coisa pelo caminho.

Quem não sabe estar….

Hoje, eu e uma grande amiga tivemos que ‘levar’ (este é o termo perfeito) com a idiotice dos outros. Mais do que idiotice: a imbecilidade, a cretinice, a sandice, a mediocridade. Pessoas com um perfil já aqui tão exaustivamente tocado, mas que ainda nos surpreendem no dia a dia! Os fungos, os vírus, a peçonha em forma humana. Parasitas que se querem apropriar da vida alheia porque não têm vida ou mais o que fazer senão destruir o que está de pé. Não fosse o sustentáculo fiável (antes fraco, adoentado e frágil), a coisa poderia até correr mal. Venceriam os venenosos e intriguistas, perderiam os incautos e desprevenidos.

Ter paz não é nada fácil.
Há sempre atribulações e tramas para desbaratar a fim de debelar a concórdia existente.
Não se podem guardar as armas e as espadas. Quando pensamos que a merda já não mexe, está ‘morta’ e enterrada a 7 palmos abaixo da terra, longe da vista e da pele, eis que se levanta do nada, mal cheirosa, ridícula, grotesca e ‘armada’ em invencível.
Cómica e risível….esta maldade gratuita sem fundamento ou alicerce que não seja a má-formação de quem tem muito tempo e pouca imaginação para votar ao desperdício. Entraves que amordaçam e calam (por breves momentos) as boas palavras que poderia ter para dizer ou escrever.

Absolutos perdedores. Podem até conquistar qualquer coisa aqui ou ali, mas quando chegam acolá, ou dão de caras com algo mais forte e profundo, não vingam….há sempre alguém mais inteligente a quem não ‘papam nada na cabeça’.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Blog do Bidé

Perguntam vocês ‘o que será um blog de bidé’? É um blog de gaja! O nome diz tudo. Somos mesmo nós que mais usamos esta belíssima invenção (não o blog, o bidé) para lavarmos….ok….o que nos apetecer. Deixemo-nos de preciosismos e especificidades. Nós, mulheres, gostamos de experimentar tudo (ou quase tudo) ou pelo menos aquilo que nos desperta curiosidade. E curiosidade, convenhamos, é connosco, é a ‘nossa cena’. Se existe é porque é para mexer, tocar, ver, apalpar, ‘cuscar’, usar e abusar. E falar, falar também…falamos muito!

Temos um sem número de defeitos hediondos: cobiçamos o que é das outras, gastamos mais do que devemos, não reciclamos, deixamos a cozinha numa estrumeira quando decidimos fazer muffins, reclamamos por tudo e por nada (em restaurantes porque o bife está mal passado e depois porque está passado de mais, nas lojas porque a blusa que já usamos cem vezes ganhou borboto, nos transportes públicos porque achamos que temos direito aos lugares sentados, no Ikea porque a porcaria do móvel era de fácil montagem e nem de pernas para o ar aquilo fica direito!, com o namorado ou marido porque não nos dá flores todos os dias especiais (que para nós são todos, menos quando estamos menstruadas), etc, etc,etc.

Mas somos mais bonitas e mais sentimentalóides e isso vale por tudo. É por isso que gostamos de ver novelas e filmes românticos. Para chorarmos as desgraças fictícias dos outros e as nossas ao mesmo tempo.
Queremos amor, carinho e atenção acima de qualquer coisa…ok…um cartão de crédito até dá jeito e um par de sapatos novo também! Somos mais atentas (ainda que isso traga o apêndice de vermos (mesmo) aquilo que não existe!), sabemos mais coisas de cor e salteado (os homens nem a matrícula do próprio carro sabem! – isto é verdade) e quando chegamos a uma certa idade estamo-nos nas tintas para uma data de coisas: se vamos à rua de pijama comprar cigarros ou passear o cão, se deixamos de nos depilar com frequência no Inverno (fica mais quentinho!), se usamos batom vermelho e nos olham de lado por isso; ou então fazemos um drama por tudo (que para os homens é nada, mas para nós pode ser uma catástrofe de proporções gigantescas): uma mulher que perde a carteira, por exemplo, quer lá saber dos documentos ou da chave de casa!, o que a preocupa é o blush rosa choc que lhe levou uma eternidade para descobrir porque tem a cor certa para o seu tom de pele e o rímel waterproof que lhe custou os olhinhos da cara! E isto não é ser superficial, é ser profunda porque o tempo que vai demorar a encontrar tudo de novo dava para fazer outras coisas! Tempo é dinheiro e, embora os homens ganhem mais, nós sabemos muito bem o que isso significa. Não somos burrinhas. Não temos jeito para uma data de coisas como mudar pneus de carros, mas não somos burras.

Voltando ao início deste texto (porque já me perdi aqui pelo meio com uma data de verdades), é muito fácil distinguir um blog de gaja de um blog de gajo. Perfeito, perfeito seria uma co-autoria, uma coisa mista. Homens e mulheres funcionam muito melhor em sintonia, em parelha, em simbiose, em concubinato e aos pares. Ou talvez não!

Looking for a change?

Um trabalho nos dias de hoje é 99, (e muitos %) … um trabalho. Não tem regalias, não é bom, não satisfaz, não era o que queríamos ou procurávamos, não foi para aquilo que estudámos, foi o que apareceu. Ainda assim!!, quase agulha em palheiro ‘bicudo’ porque ‘o mercado de trabalho ‘tá mau…a coisa ‘tá preta…blá, blá, blá e não vai melhorar’. Mas mau para quem? Claro que não é para todos. Não estamos a falar dos que têm o factor ‘grande-cunha-de-alguém-conhecido-a-quem-já-se-fez-um-favorzinho-um-dia’ cuja principal função profissional passa a ser andar com um papel na mão O DIA INTEIRO a tratar de qualquer-coisa-urgente-que-não-sabem-o-que-é, para não incomodarem muito. Desde que o cacau pingue na conta bancária da cigarra ao fim do mês (e por muitos, longos, vitalícios e ociosos anos) … que prodígio!

Os tais 99, (e muitos %) são as formiguinhas que compõem a maioria. São uns sortudos! Têm dois empregos (assim como os cônjuges) e o filho ainda entrega pizzas ao domicílio depois da escola (aos inúteis que se passearam na empresa o dia inteiro de papel na mão e estão estafados dos tachos) para conseguirem pagar: a casa (onde já só casualmente se encontram) já hipotecada pela merda da vida; o carro indispensável para se correr de um emprego ao outro; a prestação daquele crédito educativo feito há 15 anos; as malditas contas da farmácia e o balúrdio do lar para a sogra com Alzheimer precoce e acamada, cuja mísera reforma não dá para saldar sequer as contas das fraldas porque já não retém a urina nem coisa nenhuma (‘Ao que um ser humano chega!’).

Revolta? Nem vê-la! Formiga que se preze não reclama nem exige. Faz, executa, cumpre e não contesta com medo de ouvir ‘É isto ou RUA! Venha o próximo!’
E, de repente!, quando tudo corria ‘TÃO’ bem, recebe a notícia de que a empresa onde trabalha vai mudar para Espanha – sem ele!! A Nova Era computorizada dita que um faz o trabalho de quatro….para quê desperdiçar recursos informáticos quando se podem descartar pessoas?!! Para ajudar ao ‘festim’ a filha mais nova tem um problema de saúde e o seguro não cobre a cirurgia (outros filhos-da-mãe camuflados – não os vírus que trazem a doença, mas os tipos dos Seguros que trazem as dores de cabeça). Não sabe o que fazer…3 empregos não vai dar!, mas, afinal de contas, voltam a ser dois porque o primeiro já perdeu! Volta ao mesmo – a leitura exaustiva da página de emprego do Jornal no Café do lado (que é grátis) ‘onde nem um puto de um cigarro posso fumar por causa desta IMPORTANTE e URGENTE lei do tabaco’. E é o telemóvel que toca. É um tipo de uma empresa de cobrança que quer o Corsa de volta porque se esqueceu E NÃO PÔDE pagar (entre uma notícia de despedimento, uma doença e as mil e uma preocupações e despesas) as duas últimas prestações.

‘Porra! Mas não ando eu há anos a ouvir dizer que, se os portugueses apertarem o cinto, a coisa vai melhorar!’ Quando um tipo ‘tá na merda….nem vale a pena dizer o resto!

Viciada

É isso. Confesso. Tou viciada em escrever. Não consigo parar.

Smashing Pumpkins - Disarm