sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Sensibilidade e bom senso

Sentir.

Por fora é: uma canela esfolada num patim distraído; um dedo picado numa agulha marota, que a vista cansada já não vê como antes; um braço mordido pelo ferrão de uma abelha que fez do derradeiro ataque a sua morte fatal; o rabo dorido sentado na desconfortável cadeira, horas a fio; o ardor nos olhos das gotas prescritas que nos fazem chorar; a dor na barriga de tanto rir de uma galhofa pegada; o prurido da alergia aos morangos silvestres que nos alertaram para não comermos; a picada do espinho da rosa mais bela até hoje oferecida; uma língua queimada com a água fervida do chá das cinco; um toque macio dos lençóis de seda na pele enrugada; uma brisa esvoaçante no cabelo que emaranhado se agita; um dente do siso dorido e teimoso que não dá mais juízo; o prazer no tímpano da música clássica no volume perfeito; um beijo suave de amor que faz a pele eriçar.

Por dentro é: a pena causada pela morte que furta a vida sem a trazer de volta; o desespero de amar e não ser amado; a angústia de querer ser aceite e ser desprezado; ter os nervos em franja e à flor da pele; a vontade de agradar e ser correspondido; o amor sentido por quem nos faz bem; o amor sentido por quem (até) nos fez mal; a alegria de viver e nos sentirmos vivos; a adrenalina sentida numa situação de perigo; a raiva anciã que nos alimenta o corpo; a benevolência com os erros entre pais e filhos; o conformismo perante a perda do irrecuperável; o regozijo de plantar uma semente e vê-la dar fruto; o medo do barulho nocturno lá fora de que o mal esteja à espreita.

Todos sentimos de forma diferente. Alguns de nós expressamo-lo facilmente, outros menos. É importante sentir, mas não menos importante é mostrar. De que adianta sentir sem poder demonstrar, gritar, falar, exprimir, fazer? Respeitar os sentimentos e as sensibilidades alheias é coisa para não esquecer. Sem grandes críticas ou juízos de valor. Não somos iguais, porque haveríamos de ter sensibilidades iguaizinhas como duas gotas de água? Temos que coroar o bom-senso para que ele impere. A receita para isso é a velha máxima: ‘A minha liberdade termina quando começa a liberdade dos outro’. Entendamos liberdade como ‘espaço’ no sentido mais lato ou dilatado do termo. É o espaço físico, moral, intelectual, emotivo, interior de cada um que não se mede com fita métrica com resultado em metros quadrados. Cada um tem o direito a sentir como quiser sem que as fronteiras desse sentir sejam alguma vez invadidas por falsas, intrometidas ou intrusas interpretações de quem não sabe, vê, lê, vive, ouve, absorve e sente como nós.

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