quarta-feira, 16 de abril de 2008

'ências'

Simples, difíceis.
Doces, amargas.
Ásperas, suaves.
Duradouras, fugazes.

A vida é repleta de ências.

Intermitências periódicas, cíclicas, alternadas. Interrupções momentâneas e intercalares a espaços curtos ou longos, mais ou menos sofridos, antecipados e ultrapassados. Amo agora para odiar mais tarde e voltar a amar; sofro aqui para curar ali e gemer acolá; rio hoje pelo riso de ontem e hei-de rir mais além; tapo agora o destapado de antigamente e de sempre que me cobre a cabeça e descobre os pés numa luta incerta entre o início e o fim.

Transcendências sublimes e heróicas. Elevadas e grandiosas formas que encontramos para nos engrandecermos em situações desgraçadas ou infelizes. É a excelência que encontramos sem saber que a possuíamos intrínseca e encerrada em nós mesmos, libertada, assim, de forma superior, excelsa e magnificente.

Tendências, não de moda, trapos ou coisas congéneres mas de transformações, mutações e metamorfoses de comportamento não por seguirmos uma moda ou um costume mas porque, a par do revolver e agitar do tempo, crescemos e aprendemos e mudamos e cambiamos uma atitude por outra ainda que o estímulo (bom ou mau) se mantenha inalterável.

Remanências perdidas e achadas. Fiapos, farrapos, retalhos e centelhas. O que sobeja, sobra e resta. O que avulta depois das contas feitas e refeitas. É o excedente que deveria ser sempre categórico e quase nunca o é. Nem tudo o que sobra é bom. Muitas são as vezes que não sabemos o que fazer com esse resto. Quase sempre o guardamos: num bolso, num canto, numa gaveta, num ficheiro, num pensamento. Pode não ter utilidade, mas ainda assim fica abrigado e acautelado para mais tarde renascer numa lembrança ou relação in vitro.

Condescendências faz parte da lista das minhas ências favoritas. É flexível, maleável, dobradiça. A chave para nos acomodarmos e ajustarmos aos outros e às suas vontades, manias e intenções. O caminho certo e genuíno para o bom entendimento, o encontrar sentido naquilo que não faz sentido nos outros, o compreender e entender e conviver e viver bem com isso, o desapertar a mordaça ou a algema que prende e amarra. Aceitar o que não tem que estar pré concebido ou estabelecido. A norma não é a regra e entre dois não há regulamentos, regimes ou leis. Há harmonia, entendimento, serenidade, consonância, melodia, música até.

Inconsistências são os algozes que matam, impiedosamente, a ência anterior. Um dia estamos bem, outro mal: essa será a ordem natural das coisas não fosse o ser humano caracteristicamente inconstante e insatisfeito por natureza. Não falo obviamente dessa inconstância, mas daquela outra que prega rasteiras, é matreira e aparece sem aviso. É doente e por se votar à doença arruína e estraga sem arranjo (que para estas coisas dos sentimentos não há garantias, só responsabilidades). Apresenta-se com laivos de doença psíquica e moralmente perigosa. Está embutida e enclausurada, oportunamente à espreita de deslize, descuido ou descanso da guarda para o ataque final.

Turbulências é tudo o que acontece quando todas as outras ências não se encaixam, entrosam, misturam ou harmonizam. Poucos são os que sobrevivem, num par, a esta rebaldaria. A lista tornar-se-ia interminável.

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